Este poema foi selecionado para compor a 7ª Coletânea de Poemas-Sonetos-Cordéis da Editora Perse.
Eu tenho um vizinho, que é gente boa toda vida
Bota milho na calçada pras rolinhas
Alimenta os cachorros com migalhas
que sobram da sua quentinha
Faz suas doações na caixinha da igreja
Não doa mais do que pode
Tem que sobrar pra cerveja
No bar do Russo no domingo
assiste ao futebol
Com amigos de birita grita gol do Gabigol
ou sai xingando e sem parar
quem concorda com o placar
Esse vizinho é gente boa
Só nao divide sua bebida
com os baitolas lá de baixo
Os boiolas e as bichas
por que ele acha errado
Sua mulher é tipo Amélia nunca teve vaidade,
quase não anda na rua,
pra não dar intimidade
é que ele não quer mulher sua
de bolero com amizades
Só se vê a cara dela de dentro do portão
ou no máximo quando ela vai até o sacolão
Esses dias ela passou meio capenga e sem graça
Trazia pesando nos braços as sacolas da xepa da quarta
Dei um bom dia amistoso
ela respondeu com um muxoxo
e de longe puder ver o seu olho roxo
Eu perguntei o que é isso,
caiu de novo no banheiro?
Pois tu sabe que pra essas coisas
eu tenho um bom pedreiro
Ele arruma e mete massa,
faz um trabalho limpo e ligeiro
e por mais cinquenta reais
ele dá destino para o entulho do banheiro
Dei a ela o número num de papel de pão
Ela saiu sem jeito amuada,
O rosto sem expressão
Dias depois de feito o serviço
Só se via ela faceira
maquiada e de vestido
enchendo a calçada de milho
e na feira de domingo cheia de sorriso
O portão agora é aberto
A cadeira na calçada em dia quente
Da casa se escuta a rádio
e de longe o cheiro de caldo verde
Meu vizinho, nunca mais vi na cidade
eu só sei que ele deixou um carro
e umas roupas pra caridade
O que ele não deixou foi saudade
nem na esposa e nem nos amigos de fuleiragem