Flip e a consciência de classe: a maior festa literária da América Latina poderia ser chamada de a festa do elitismo, ou do academicismo.
Texto por Sandra Abreu em 28/11/2023
Pelas charmosas e apedregulhadas ruas de Paraty passeiam os brancos ricos equilibrando seus calçados caríssimos em busca de souvenirs. Eco-bags com estampas da cidade ou logotipos da Flip, leques, camisetas ou qualquer coisa que prove que estiveram ali.
Autores novos? Nem pensar! Você é formado em quê? Quem te autorizou a estar vendendo seus livros aqui? Adorei seu texto! Posso tirar uma foto da capa do livro que você escreveu e editou de forma independente para ver se consigo mais barato na Amazon?
Enquanto a maior festa literária da América Latina rola no centro histórico da cidade, os estudantes estão na escola, as cozinheiras, garçons, motoristas, e todos os prestadores de serviço estão trabalhando seu primeiro turno, por que depois do expediente, tem mais. Se você pede um taxi para a pousada, é possível que o motorista e morador de longa data não conheça o local. Isso por que a cidade é tomada pelas pousadas temporárias e Airbnb’s que inflacionam os aluguéis durante o evento. Mas, mesmo que a cidade inteira estivesse de férias, cada ‘mesa’ de discussão na Flip custa cento e trinta reais. Eu não sei você, mas eu não tenho esse dinheiro para gastar com cultura. Mas claro, existe um telão do lado de fora onde você também pode assistir de graça algumas mesas. Mudança que foi feita depois de muita crítica ao evento.
Por que a cultura é elitista, é rica e branca e não está nem aí. Pelas ruas, os vendedores de zines, jornais e cordéis, com os braços carregados de impressos explicam: é contribuição consciente moça! Você quer conhecer meu trabalho?
Já nas casas alugadas pelas editoras para divulgação de seus últimos lançamentos, novos autores se amontoam uns por cima dos outros para sair na foto ao lado daquele escritor que está na moda: você quer conhecer meu trabalho, moça?
Ao mesmo tempo, acontece a Festa Literária Pirata das Editoras Independentes, em um espaço de auto-organização, colaboração e experimentação onde se faz o que dá com o que se tem. E conseguiram trazer nada menos Silvia Federici, por exemplo. Além de abrir espaço para novos autores, autoras, demais artistas e editoras sem grandes patrocínios.
Vale lembrar que a Flip é patrocinada pela Vale, Itaú, entre outras.
Durante a FLIPEI teve de tudo, desde remoção da bandeira da festa à pedido dos empresários locais até uma leve repressão aos shows que rolaram no palco decorado com a imensa bandeira da Ação Antifascista de São Paulo.
Enfim, o evento da Flip em si é lindo, também pudera com tanto dinheiro! Mas a experiência da FLIPEI onde pudemos ver na prática, durante uma semana, as questões sociais que são estudadas e tratadas nos livros que estavam dispostos na nossa banca foi muito interessante. Significa que a literatura deve estar acessível a todas as pessoas e por esse motivo resistimos, montando e desmontando a banca de livros todos os dias da feira, resistimos à chuva, resistimos aos ricos, aos indiferentes. Resistimos!
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“Se você gosta do meu trabalho, me apoie. Com seu apoio terei mais tempo para desenvolver novos projetos e condições de continuar escrevendo.”